A capacidade de gerar emoções é natural e intrínseco às artes, principalmente àquelas que são feitas com amor, carinho e honestidade como é o caso da música do Iron Maiden. O capricho firmado pelo baixista Steve Harris, também conhecido como o The Boss, na aurora de sua carreira, é a base que permeia o trabalho do conjunto desde então e é o mesmo expediente adotado pelos seus companheiros de jornada – a saber: Bruce Dickinson (vocal), Dave Murray (guitarra), Adrian Smith (guitarra), Janick Gers (guitarra) e Nicko McBrain (bateria).
Um dos proventos de tal modus operandi é uma conexão quase espiritual com os fãs, o que fora essencialmente visto e sentido no último sábado em São Paulo, dia 07 de dezembro, quando aconteceu a derradeira apresentação da The Future Past Tour, a qual uniu o passado do grupo, com ênfase no espetacular Somewhere in Time (1986), e o presente na figura do progressivo Senjutsu (2021).
Tocar para casa cheia é praxe para o grupo, é o chover no molhado para o sexteto, porém, quando se fala em se apresentar ao público brasileiro, o assunto toma proporções superlativas e tudo é amplamente potencializado. Para os fãs, o Sol forte, fadiga física, privação de sono, fome e sede são alguns dos desafios enfrentados, todavia, a certeza em prestigiar e curtir um espetáculo prazeroso aos sentidos e às emoções faz tudo valer a pena.
Doctor Doctor, do UFO, é de praxe a última chamada para que todos se aprontem para a festa heavy metal, portanto, dessa vez não fora diferente. Para a atual tour, um trecho da dramática Blade Runner (End Titles), de Vangelis, trouxe um teor extra de emoção para a entrada gloriosa com Caught Somewhere in Time. Neons e jogos de luzes na palheta oitentista colaboraram com a viagem ao ano de 1986.
Com som alto e muito bem azeitado, Stranger in a Strange Land fundamentou o carinho especial que os fãs têm por Somewhere in Time. Solo de guitarra, trabalho lírico e refrão açucarado são alguns dos predicados da canção, que recebeu a primeira aparição do mascote Eddie trajando sobretudo e chapéu, tal qual na arte do single.
Em tal ponto do espetáculo, a emoção fluía para e por todos os lados do Allianz Parque, devido ao show em si, é claro, e pelo teor extra por conta da aposentadoria compulsória de Nicko McBrain. Ou seja, o Brasil foi a casa que recebeu a última apresentação do Maiden com o baterista.
Visivelmente emocionado, Bruce falou sobre a dura decisão de Nicko de pendurar as baquetas, bem como da banda em continuar as atividades sem o parceiro de mais de quatro décadas. O apoio e carinho do público fora em proporção incomensurável; dito isso, o que se viu dali em diante suplantou os limites de um show de heavy metal, foi fechamento de um ciclo, de uma era se preferir, e o adeus aos palcos, pelo menos em proporção mundial, de um dos caras mais legais do rock n’ roll.
A celebração do Maiden e McBrain continuou com The Writing On The Wall, a qual elementos folk e blues se entrelaçaram e formaram uma única entidade musical com vida própria capaz de fazer até o mais apático ser vivo vibrar em profusão.
Days Of Future Past usou sabiamente a dinâmica como trunfo, o que a fez romper o cárcere da mesmice e flertar ora com a velocidade e ora com o ritmo compassado. O destaque da performance do som ficou nas graças de Adrian Smith, que usou e abusou de frases pentatônicas para impor um senso despojado na aula progressiva.
O quê lento e contemplativo de The Time Machine trouxe uma bem-vinda dinâmica ao concerto; além disso, mostrou que o prog metal adotado pelo grupo atualmente é visceral e bastante distante da xaropada de quem cisma em inserir mil notas em um único compasso.
Uma breve viagem ao tempo com The Prisoner, a qual contou com imagens da série sessentista de mesmo nome nas laterais do backdrop. Dickinson convidou a todos a entoarem seu refrão, o que gerou ainda mais excitação na execução do som. Senjutsu voltou ao radar com Death Of The Celts, que fora a única canção descartável do set. A inclusão da subestimada Deja-Vu, por exemplo, teria sido mais interessante e seria um ativo e tanto ao show.
Em um duelo digno de titãs, Can I Play With Madness? e Heaven Can Wait fizeram as honras de rememorar os louros dos anos 1980. Esta última música ainda contou com a segunda aparição de Eddie, que aprontou o maior bang-bang com Bruce, o qual teve direito a muita pirotecnia e humor.
Alexander the Great, uma das fiadoras do absoluto sucesso da The Future Past Tour, lavou a alma de quem sonhava em vê-la ao vivo desde que o já citado Somewhere in Time chegou às praças. Os milhares de fãs bradaram seus versos e refrão como se estivessem diante do próprio Alexandre, o Grande, o famoso rei da Macedônia. Sua performance se materializou e causou alegria ao coração do exército Maiden.
Até a manjada Fear of the Dark fora recebida com vigor renovado e muita agitação. Iron Maiden ecoou com o sinal de que a primeira etapa da jornada sonora estava perto do fim. Antes, porém, um Eddie inflável surgiu de trás da bateria de McBrain para acentuar o quê circense do espetáculo.
Após uma breve parada para recuperar o fôlego, o sexteto retomou o controle do Allianz Parque em uma performance impecável de Hell On Earth. Na execução da música, o Eddie Samurai, empunhando uma katana, representou as artes marciais, bem como suas tradições milenares, além disso, brincou com o guitarrista Janick Gers e reverenciou Nicko por seu devotamento de quarenta e dois anos à banda.
Para que todos os fãs fossem para as suas casas com o coração transbordando em alegria e felicidade, o duo composto por The Trooper e Wasted Years se incumbiu da missão, aliás, elas também rememoraram que lotar estádios ao redor do mundo é uma dádiva para poucos nomes do rock n’ roll e heavy metal.
Em pouco mais de duas horas de apresentação, o Iron Maiden encerrou a pomposa The Future Past Tour e atestou mais uma vez que é um maná musical dos deuses sob horizonte do Olímpio. Claramente emocionados, os músicos saudaram o público, se cumprimentaram e deixaram o palco para que Nicko recebesse o merecido carinho dos fãs. A relação do Iron Maiden com o Brasil é para lá de especial e o fechamento de tal ciclo em nossa terra não foi nenhum capricho dos deuses, foi apenas o que tinha que ser.
Via: RockBizz