Sepultura é uma banda que dispensa apresentações, o grupo é um dos maiores ativos culturais do Brasil, um dos motivos que faz a bandeira do país ser bem-quista nos quatro cantos do globo. O motivo para tal adulação é simples: sua música, que também lhe proporciona a atribuição de ser um dos principais personagens do fantástico mundo do rock n’ roll e heavy metal.
A inquietude musical e as bem-vindas doses de ambição em dar o próximo passo artístico credencia o grupo a dar vida a álbuns como SepulQuarta e Quadra, como fora amplamente esclarecido pelo guitarrista e líder da banda, Andreas Kisser, na primeira parte da entrevista dada ao RockBizz.
Nesta parte final do bate-papo, Andreas fala sobre alguns percalços que por pouco não ‘sepultou’ o grupo brasileiro, o músico também faz questão de ressaltar que tais dissabores ajudaram edificar as vigorosas e inabaláveis estruturas do Sepultura de 2021.
RockBizz: Infelizmente, a divulgação do trabalho foi muito prejudicada por conta da já citada pandemia. Você acredita que num cenário normal, com turnês e apresentações em festivais, onde poderio sonoro do disco seria mostrado em sua totalidade, o Quadra poderia quebrar a bolha do thrash e death metal, com isso, alcançar novos públicos?
Andreas: Possibilidades de futuro ou coisas que poderiam ter acontecido são infinitas, então, por que que vai pensar nisso? O que nós temos é o hoje, e o Quadra foi bem recebido, a gente tem a condição de voltar aos poucos para turnê, tocar, desenvolver o disco e seguir o nosso desenvolvimento como banda.
Mas o que poderia ser ou acontecer não faz parte da minha energia. Se poderia estourar a bolha ou não, ir pra rádio ou não, são possibilidades que a gente poderia ficar falando até infinito de tantas que poderiam acontecer. Então eu não penso nisso, estou muito feliz com a SepulQuarta, a Live, e o disco, por que nos manteve fortes e unidos e focados no presente.
RockBizz: Machine Messiah e Quadra contaram com a produção de Jens Bogren. Como foi a experiência de trabalhar com ele em ambos os trabalhos?
Andreas: Jens é sensacional! Ele é um cara da nossa geração, super inteligente e sensível. Apesar de jovem, ele tem uma carreira como produtor sensacional. Jens tem um conhecimento da carreira do Sepultura e técnico para balancear as coisas mais modernas e vintage. Machine Messiah foi o primeiro trabalho com ele, e foi uma sugestão de Derrick pegarmos um produtor diferente, já tínhamos trabalhado com Ross Robinson, que também foi fantástico. Escolhemos Jens por conta de seu trabalho com o Kreator, Opeth e Angra.
Acredito que Jens foi uma boa escolha para a produção de Machine Messiah. E foi ainda melhor para o Quadra, porque a gente já se conhecia melhor, estávamos bem mais relaxados em relação ao outro. Quadra é um disco bem mais orgânico, Jens não fez tanta edição quanto em Machine Messiah.
Além disso, no Quadra a gente estava mais conectado e tranquilo um com o outro, encontramos um equilíbrio e mantivemos o respeito e a comunicação entre nós. Quadra é um disco onde a gente pôde tentar quebrar os nossos limites, como músicos, compositores e performers.
RockBizz: De certo todos os integrantes da banda contribuíram para o processo de composição de Quadra. No entanto, é inegável que há uma sinergia entre você e Eloy. Parece que um desafia o outro, no bom sentido, claro, com isso, o nível criativo do trabalho sobe um bocado, alcançando novos patamares para o Sepultura. Essa observação faz algum sentido para você?
Andreas: Sim, com certeza. Acho que essa coisa do desafio entre eu e o Eloy vem desde o Mediator, passando pelo Machine Messiah e agora no Quadra. Eloy cresceu muito como músico e performer, acho que foi a primeira vez em que ele teve total liberdade de fazer a bateria que queria, dentro das características da banda. O Sepultura sem um baterista fantástico não é o Sepultura.
Eloy engloba todos os bateristas com quem tocamos: Iggor Cavalera, Jean Dolabella, Roy Mayorga, que fez alguns shows com a gente durante a turnê do Dante (2006). Ele é o melhor baterista do mundo hoje em dia, não dá para negar isso. E isso nos inspira muito para escrever coisas mais técnicas e difíceis, que provavelmente outro baterista não teria paciência ou técnica para fazer.
Apesar de ser jovem, Eloy é muito experiente, profissional e respeitoso, é um cara que consegue conversar sobre qualquer assunto. É um cara de grupo, de equipe, ele ajudou a levar o Sepultura para outro patamar. Acho que todo mundo que entrou nessa banda ajudou a levá-la a outro patamar.
O Sepultura sempre teve uma mudança musical drástica quando mudou de membros, desde a minha entrada em 1987, com o Schizophrenia; a saída do Max e a entrada do Derrick; com Jean Dolabella na banda e, obviamente, agora com Eloy.
Eloy se encaixou perfeitamente no grupo, ele tem técnica, groove e um timbre de bateria fantástico. A química entre a gente você pode sentir no Quadra, já que está bem expressa ali e de forma muito honesta.
RockBizz: Voltando bastante no tempo, quando você se deu conta de que o Sepultura é um ‘business’, uma empresa que gera receita e despesa, um negócio com obrigações fiscais e contábeis? Foi difícil aceitar, entender e se envolver nessa outra parte da música?
Andrea: Acho que em relação ao business, não teve um momento. O business mudou e está sempre mudando, é aquela coisa: adaptação e a percepção do presente. Hoje, a gente está falando de Bitcoin, Spotify, Streaming e venda digital, mas já passamos pelo vinil; do vinil para o CD; do CD para o MD; do MD para o videolaser, que foi um fracasso total, depois veio o Napster, ou seja, passamos por tudo isso e ainda estamos aqui. O business é esse e a cada hora muda o dinheiro, a maneira de contar a venda de disco, e, hoje em dia, é completamente diferente de dez e cinco anos atrás.
Eu não posso ver o business como uma fórmula estática, que acontece sempre do mesmo jeito. Uma prova disso é que cada banda conduz seu business de uma maneira muito única. Paralamas do Sucesso, Sepultura, Metallica, Anthrax… Cada um tem uma maneira de ver o business e conduz o negócio de uma forma bem diferente da outra.
Como eu disse, a gente está em uma situação muito organizada, com quatro empresários: um na Alemanha, um na Bélgica e dois no Brasil. O Brasil é o quartel general, o da Alemanha lida com coisas mais voltadas aos royalties, trabalha com lançamentos de boxes, vinil, trilha sonora para filmes, etc. O cara da Bélgica foca o trabalho no planejamento de turnês, ele tem uma relação mais direta com a gravadora e mídias sociais. Já os do Brasil ficam por conta das coisas voltadas ao nosso país.
No começo, a coisa funcionava assim: ‘Quanto a Cogumelo [Records, gravadora que lançou os álbuns Morbid Visions (1986) e Schizophrenia (1987)] pagou?’, a grana que entrava a gente pagava a conta de telefone da casa do Max. Quando a Glória [Cavalera] entrou as coisas se ajeitaram de uma forma mais profissional, a grana começou a ser dividida, reestruturamos o contrato do Sepultura, porque se tivéssemos o mesmo contrato na época do Arise (1991) e Chaos A.D. (1993), não íamos ganhar nada da gravadora, já que assinamos um contrato muito ruim na época do Beneath the Remains (1989).
Depois disso, a Glória casou com o Max e o business ao mesmo tempo, tivemos outros empresários como a Mônica Cavalera, que é ex-mulher do Iggor. Mas aprendemos muito nesse processo de lidar com a família e o business, e cá estamos.
Hoje em dia, estamos com equilíbrio nos negócios, viajamos no mesmo ônibus, temos o mesmo camarim, jantamos juntos, ou seja, curtimos estar juntos como uma banda. Prezo muito por isso: ter esse clima bom na banda, porque já é ruim ficar em turnê longe da família, a coisa piora com brigas e cara fechada um para o outro.
RockBizz: Com os problemas que o Sepultura já enfrentou como as trocas de integrantes, dores de cabeça com o empresariamento, entre outras tribulações, você chegou a cogitar, em algum momento, largar a música e seguir outra carreira profissional?
Andreas: Acho que o único momento que isso passou pela minha cabeça foi quando o Max saiu da banda. A gente perdeu empresário, gravadora, ou seja, perdemos toda a estrutura que tínhamos. Esse foi o único momento que pensei em desistir. Mas quando uma coisa assim acontece se abrem outras portas, você só tem que se abrir a novas possibilidades na vida.
Na época, pensamos em mudar de nome e continuar como um trio. Eu cheguei a fazer aula de canto, o que foi um processo interessante, mas não rendeu muito para estar à frente de uma banda. Derrick [Green] entrou na banda nove meses depois que Max deixou o grupo. Ao mesmo tempo em que compúnhamos Against (1998), estávamos procurando um novo empresário e tudo mais. Mas tudo isso acabou sendo um processo de crescimento para todos nós.
Junto com o Iggor, Paulo, nossas famílias e o novo empresário, nós conseguimos reerguer a cabeça; gravar o Against, que foi um dos discos mais difíceis de nossa carreira; sair em turnê com Slayer; fazer vários shows com o Metallica e provar que podíamos recomeçar.
RockBizz: Em recente entrevista, você comentou que se interessar por filosofia. Então, para encerrarmos, te pergunto, usando parte do pensamento proposto por William de Occam. De forma simples e direta, o que é o Sepultura para você neste momento, em 2021?
Andreas: Esse filósofo, William de Occam, é muito interessante, já que ele propõe buscarmos o sentido profundo das coisas, assim como René Descartes e Baruch Espinoza. Espinoza, por exemplo, usa a geometria para definir Deus, a partir daí ele mostra o seus conceitos de afeto, amor, ódio, etc. William de Occam me inspira muito a buscar o equilíbrio, viver no presente, em outros termos, não ficar preso no passado, tampouco ansioso pelo futuro. Ter uma relação mais direta e verdadeira com a vida.
Via: RockBizz