Ter uma banda de rock no Brasil não é tarefa fácil e disso as integrantes da The Mönic sabem bem. Ter uma banda composta majoritariamente por mulheres, mirando especificamente nesse público e buscando trazer mais rostos femininos para a cena – tanto no palco, quanto na plateia – pode tornar a jornada ainda mais árdua.
Trabalhando duro desde 2017, quando foi formada na capital paulista, a The Mönic entra no circuito dos grandes festivais do Brasil pela primeira vez em 2024. O quarteto fundado por Ale Labelle (guitarra e voz), Dani Buarque (guitarra e voz) e Joan Bedin (baixo e voz) se apresenta no Rock In Rio dia 15 de setembro e também no Knotfest Brasil dia 20 de outubro.
Chegar até aqui não foi simples e nem rápido. Surgida do dissolvimento do grupo BBGG, que continha as três integrantes originais e já estava fazendo barulho na cena nacional, a The Mönic se posicionou desde o início como uma banda que queria ser formada apenas de mulheres. Para Dani Buarque, começar do zero era uma questão de autonomia. “No começo, nós tínhamos muitas ideias que as pessoas diziam que não eram comerciais. Falavam pra gente: ‘Tem certeza que vocês vão se limitar a tocar só com mulher? Vão levantar essa bandeira?’. Já ouvi gente mentora falando de nós em mentoria e dizendo que era uma técnica e que essa técnica estava desgastada”, conta em entrevista do Wikimetal.
Ao lado da baterista Daniely Simões, a The Mönic lançou em 2019 seu primeiro álbum de estúdio, Deus Picio. O projeto mais voltado pro garage rock conta com apenas 7 faixas, a maioria delas em inglês, e se encerra na marca de curtos 20 minutos, mas foi o suficiente para dar o pontapé inicial que a banda tanto precisava. O segundo disco veio só em 2023, atravessado pela pandemia de COVID-19, e acompanhado de grandes novidades. A primeira delas, a chegada de Thiago Coiote, primeiro integrante masculino e atual baterista do grupo. No ano anterior, o quarteto assinou com a Deck – gravadora e distribuidora que tem em seu catálogo nomes como Pitty e Fernanda Takai – e teve a oportunidade de trabalhar com o produtor Rafael Ramos, que já produziu Titãs, Dead Fish e a própria Pitty.
Tudo isso gerou o disco divisor de águas Cuidado Você (2022). Feito quase todo em português (com exceção de “Walk All Over Me”), e com 10 minutos a mais que seu antecessor, o projeto é um trabalho elétrico e descontraído que queima rápido como um pavio de pólvora, mostrando um lado mais punk e divertido da The Mönic e deixando um gostinho de “quero mais”. O lançamento deu uma guinada inegável na carreira do quarteto, trazendo mais fãs e também mais visibilidade midiática. Na opinião de Dani, o segredo da “grande virada do disco” está na aposta de mais músicas em português. As faixas eletrizadas e com refrões chiclete cantadas na língua materna conectaram a banda com novos públicos e geraram uma comunidade fiel e engajada de fãs (os The Möníacos), com direito a grupo no Whatsapp incluindo os próprios integrantes.
O poder das redes sociais
O trabalho árduo de alcançar novas pessoas e novos espaços, porém, não se fez sozinho. Hoje contabilizando pouco menos de 6 mil ouvintes mensais no Spotify e quase 5 mil inscritos no YouTube, a The Mönic soma oito vezes esse valor em números no Instagram, onde está concentrada a maior parte de sua fã-base: um total de 48,7 mil seguidores.
Olhando as postagens é fácil descobrir o porquê: a banda se mostra por dentro dos formatos que fazem mais sucesso na internet. Publicam vídeos seguindo trends do momento, respondendo comentários e aproveitando o espaço para divulgar a agenda de shows, lançamentos ou qualquer novidade que atraia os olhares. O vídeo que mostra a reação dos integrantes ao descobrirem que tocariam no Knotfest Brasil já contabiliza mais de 113 mil visualizações. E é tudo por mérito deles. “A gente criou esse público, fez os shows, foi batalhando”, ressalta Thiago ao Wikimetal. “Também tivemos resiliência porque é aquela coisa: a gente lança um disco e tem que fazer ele acontecer. Lançar é só o início do trabalho.”
Apesar de poder contar com uma equipe que ajuda nas questões mais burocráticas, produção de videoclipes e uma empresa de booking, o trabalho mais intenso de divulgação e marketing da The Mönic é feito de maneira orgânica pelos próprios integrantes, que enfrentam o desafio de conciliar o trabalho da banda com empregos paralelos e vidas em família. Ainda reféns da instabilidade da agenda de shows – que é de onde tiram o maior retorno financeiro -, todos os quatro sustentam carreiras para longe dos palcos, ainda que, de alguma forma, ligadas ao meio artístico.
Thiago, que tem um estúdio em casa, faz trabalhos de produção musical e dá aulas de bateria. Dani, que é head de social media, aproveita para usar seus conhecimentos também nas redes sociais da banda (o que, aos poucos, tem surtido grande resultado). Além do tempo e esforço dedicados para a divulgação e produção de conteúdo massivas, eles também organizam a pré-produção de cada uma de suas turnês. Tudo isso em meio a uma rotina de shows rodando o Brasil inteiro. “É muito trampo, é muito sofrido”, desabafa Dani. “Tem horas que a gente acha que vai enlouquecer porque é realmente enlouquecedor.”
Para eles, a presença e constância nas redes sociais, ainda que exaustiva, é parte essencial de como o mercado da música funciona hoje em dia e peça-chave para o crescimento de novos artistas. Por um lado, se o poder de ditar quais bandas serão ouvidas não se concentra mais nas mãos de gravadoras e grandes empresários, por outro, aqueles que fazem um bom trabalho mas não sabem usar as redes a seu favor acabam caindo em desvantagem. “Você tem que encarar que isso acontece hoje em dia”, comenta Thiago. “Em qualquer área, não só na música. Se você não estiver na rede social hoje, com qualquer negócio, você vai ficar atrás de quem está.”
Knotfest Brasil e Rock in Rio
A junção de estratégia digital com o trabalho duro fora da internet finalmente levou a The Mönic para a line-up de dois festivais que são o sonho de qualquer banda nacional tentando fazer o corre acontecer: o Knotfest Brasil e o Rock In Rio.
No Knotfest Brasil, que acontece no Allianz Parque, em São Paulo, o grupo se apresenta no domingo, dia 20 de outubro. Em enquete organizada pelo Wikimetal, a The Mönic saiu em disparada como o nome mais esperado do festival pelos nossos leitores, acumulando 46% dos votos. Já no Rock in Rio, elas abrem o Palco Supernova no dia 15 de setembro, também um domingo, logo antes de três nomes de peso da cena nacional: Black Pantera, Crypta e Dead Fish.
Quem chegar cedo para acompanhá-las nos dois festivais pode esperar um show “com sangue nos olhos”, como promete Thiago. “A gente vai tocar as músicas mais pesadas, jogar a energia lá em cima. Vamos querer trazer roda, fazer o Allianz Parque rodar, se possível. E no Rock in Rio é um palco super especial, só com a galera que a gente adora. Sabemos que vai ser correria, que temos um tempo curto, mas vai ser totalmente [com a energia] lá em cima”, afirma.
Apesar da forte emoção em serem aceitos depois de várias tentativas e de todo o trabalho que os trouxe até aqui, a The Mönic se mantém consciente de que os resultados pós-festivais não trarão números estratosféricos logo de imediato. “A gente tem muito pé no chão de que não é uma coisa que depois de tocar vai mudar nossa vida no dia seguinte e [de repente] vamos estar vivendo de música e o nosso público vai dobrar”, assegura Dani. “Queremos muito aproveitar essa oportunidade, até mesmo no pré, da galera saber que nós vamos tocar lá, de querer conhecer nosso som. Querendo ou não, para quem não conhece, aumenta a curiosidade de saber quem nós somos, então a gente quer usar essa oportunidade a todo vapor.”
E também querem estender essa chance para outro nome da cena. Em ambas as performances, a The Mönic convidou a Eskröta para dividir o tempo de palco, ainda que curto. O trio interiorano de thrash metal também foi formado em 2017 e é conhecido por suas letras de resistência pautadas principalmente no feminismo e no antifascismo. A amizade entre as duas bandas e o alinhamento de pautas defendidas por ambas, assim como a presença da Eskröta dentro do metal, levou a The Mönic a chamá-las para participar da performance no Knotfest. Posteriormente, o convite se estendeu também para o show no Rock in Rio.
“É pouco tempo de palco que vamos ter, mas eu acho que quando a gente pensa numa cena, na oportunidade e no tamanho que é estar em um festival desses, a diferença de tocar 15 minutos ou tocar 25, de ter outra banda junto… Para nós vão ser 10 minutos a menos para termos outra banda que tá no corre aí há tanto tempo quanto a gente. Eu acho que é muito mais sobre a cena, sobre estar junto e sobre o nosso próprio discurso”, explica Dani.
“Não Tem Banda Com Mina” – por mais mulheres na cena
Colocar em evidência outra banda de mulheres não é novidade e nem caso isolado na trajetória da The Mönic. Em março de 2023, elas inauguraram o evento Não Tem Banda Com Mina – uma festa com curadoria das próprias integrantes que roda o Brasil inteiro convidando bandas locais de mulheres para dividir o palco com elas. A próxima edição acontece dia 20 de setembro, em São Paulo, no Picles.
Em pouco mais de um ano já foram 14 edições e “mais de 80 mulheres em cima do palco”, de acordo com Dani. A intenção é movimentar a cena com mais presença feminina, tanto no palco quanto na plateia, oferecendo mais oportunidades e construindo um ambiente onde elas se sintam à vontade.
A ideia da festa, assim como o nome debochado, surgiu de um incômodo da The Mönic ao ouvir sempre a mesma resposta quando questionavam produtores sobre a ausência de mulheres no line-up de eventos: “ah, mas não tem banda com mina”. Para Dani Buarque, ouvir essas palavras em 2024 é inaceitável. “A única justificativa pra você ter um festival com uma participação de 10% de mulheres, ou nenhuma, é você ter um produtor preguiçoso mesmo, que não sabe fazer a pesquisa, não sabe fazer a lição de casa, que não está interessado em dar mais equidade pra cena”, dispara. E elas fazem questão de cobrar os responsáveis por eventos com presença escassa de mulheres. “Tem uma playlist que a gente manda pra esses produtores. É uma playlist de bandas ativas da cena que a gente tem.”
Um dos objetivos da Não Tem Banda Com Mina também é trazer mais diversidade sonora e união entre públicos e gêneros musicais distintos. Nesse espaço, bandas de rock, metal e punk são tão bem-vindas quanto artistas de estilos como o rap e o trap.
“A gente costuma dizer que a ideia da Não Tem Banda Com Mina é até maior que a The Mönic”, comenta Dani. “Porque não sabemos se daqui a dez, vinte, trinta anos ainda vamos estar a fim de tocar. Mas eu não tenho dúvida que a gente vai estar a fim de ver uma cena com mais equidade, de ver mais mulher, de olhar para trás e falar assim: ‘Caramba, a gente somou, sabe? Fez nossa parte, nem que seja um pouquinho, de trazer a mulherada junto mesmo’.”
Abraçar essa causa de maneira tão intencional, com muita presença e ação para trazer esse discurso e fazer as coisas acontecerem causou e ainda causa incômodos. Agora que a The Mönic está alcançando novos espaços e ganhando mais visibilidade, porém, mudar de postura para agradar determinados públicos e deixar de trazer essas questões à tona não é uma opção.
“Acho que a gente conseguiu, mesmo estando ali com o pézinho no midstream, mirando o mainstream, manter as mesmas crenças que a gente tinha, as mesmas lutas, os mesmos ideais, e não sucumbir à indústria”, reflete Dani. “Claro que a gente quer fazer um som que conecte com todo mundo, a gente quer ser mainstream, nunca negamos isso. Mas não queremos perder as coisas em que acreditamos, as nossas ideias e as coisas [pelas quais] lutamos. Porque eu acho que se quando não tinha muitas pessoas nos ouvindo, a gente se incomodava tanto com algumas coisas, não faz sentido agora, que temos mais atenção, a gente não falar sobre essas coisas e não usar, de certa forma, esse privilégio que conquistamos. Com muita luta, sim, mas ainda assim é um privilégio.”
Tanto esforço em nome do que elas acreditam não tem sido em vão. Tanto nos shows quanto nas festas, a The Mönic viu seu público passar de majoritariamente masculino para completamente feminino, mostrando a vontade das mulheres de ocuparem espaço na cena do rock nacional. Lugar que, muitas vezes e por inúmeras razões, pode se mostrar intimidante e desconfortável, não só para esse público, mas para as minorias no geral. O mesmo aconteceu com os integrantes do Black Pantera, que relataram ao Wikimetal o aumento gradual de pessoas pretas na plateia de seus shows e fãs que voltaram a consumir rock porque se sentiram representados tanto pelo discurso quanto pela presença do trio em espaços de destaque.
“Eu acredito muito na mudança”, defende Dani Buarque. “[Acredito] que, conforme a gente for falando e discutindo mais sobre esse assunto, as pessoas reconheçam que realmente há essa defasagem na cena. Contra números não há argumentos. E que um dia, uma entrevista que a gente dê, um espaço que a gente tenha na TV, na internet e no rádio, a gente não precise gastar falando disso. Que seja uma cena com equidade, com preto, com indígena, com amarelo, com sapatão, com as bi. Que seja mais inclusivo, não tenha só um tipo de gente, e que a gente consiga falar de outros temas com mais frequência.”
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Via: Wiki Metal