Texto por Ricardo Batalha
Após sofrer um grave acidente automobilístico que me fez perder totalmente a visão do olho esquerdo e esmagar a mão direita, o ano de 1994 não trouxe apenas lembranças negativas.
No primeiro dia em que tive alta médica, fui ao estúdio BeBop, em São Paulo, para conferir de perto o Exhort, que estava gravando seu segundo álbum, p.r.a.Y.. No entanto, problemas não foram exclusivos a mim naquele ano: o disco só foi lançado em 2006, doze anos após sua gravação, realizada sob a direção de Beto Machado.
Na época, a gravadora Eldorado, de grande porte, assinou com o Exhort, mas logo cancelou todos os contratos com bandas de rock e metal. Em 1997, a banda foi contratada pela Act Music, no embalo do sucesso do selo Banguela, ligado aos Titãs, mas a Act não chegou a lançar nenhum de seus artistas.
Em 2002, houve uma nova tentativa com a Frontline Rock, mas também sem sucesso. Somente após o término do contrato com a Frontline, a banda conseguiu lançar o álbum pela Infinity Art.
Apesar dos percalços, o sucessor de Attitude (1991) segue impressionando. Este relançamento, cuidadosamente conduzido pelo produtor, compositor e multi-instrumentista Val Santos, evidencia o vigor do heavy metal praticado por Nando Machado (vocal e baixo), Marcos Kleine (guitarra), Silvio Vartan (vocal e guitarra) e Rick Verreschi (bateria). As bases sólidas, solos criativos, grooves marcantes e vocais rasgados foram gravados de forma analógica, com execução impecável.
Silvio Vartan explicou: “O estúdio era de primeira, com todos os equipamentos analógicos, mas de altíssima qualidade. Pedimos ao Beto um timbre bem anos 70, com bateria no estilo de John Bonham, por exemplo. Queríamos fugir do caminho que as bandas de metal estavam seguindo e inovar. Beto Machado trouxe várias ideias incríveis – até usamos um pedal ‘cry-baby’ plugado ao contrário. Também contamos com uma orquestra de percussão africana, regida pelo mestre Dinho Gonçalves, que trouxe instrumentos e sons nunca antes gravados”.
“Fizemos um trabalho de pré-produção incrível durante dois meses, ensaiando e aperfeiçoando as músicas. Nos dez dias que antecederam a gravação, nos isolamos em um sítio com nossos equipamentos e ensaiávamos de manhã, à tarde e à noite. Chegamos ao estúdio super preparados, gravando tudo no primeiro ou segundo take”, completou Nando Machado.
Entre os destaques do repertório estão “Pray”, “I’ll Mind Mine”, “Kill You First”, “Segregate Me”, “Day Old Bread” e todas as pequenas peças instrumentais inspiradas da guitarra de Kleine.
Minha relação pessoal com o Exhort é marcante. Assisti ao show de estreia da banda no Teatro Mambembe e acompanhei várias apresentações ao lado do Viper, incluindo uma no Aeroanta, no Largo da Batata. Rick Verreschi estudou com meu irmão no Liceu Pasteur e no Objetivo, além de também ter sido sócio do Ipê Clube. Sua mãe, Ieda Therezinha, era diretora do Hospital São Paulo e cuidou de mim durante a internação após meu acidente. Ela sempre telefonava para a minha para perguntar sobre a minha recuperação.
E foi Rick quem me levou ao estúdio BeBop para ver a gravação de p.r.a.Y.. Além do Exhort, ele era roadie de Renato Graccia, então no Viper, que também tinha estudado no Liceu Pasteur junto com ele e meu irmão.
Tem mais… Escuto heavy metal desde 1979 e nunca o meu saudoso pai, que coincidentemente era conhecido do pai de Rick, jamais tinha me pedido para escutar de novo uma música que coloquei para tocar. Para minha surpresa, ele pediu para ouvir novamente. “Ricardinho, essa banda do Rick é boa! Volte que gostei desta”, ele disse.
A música em questão era “Kill You First”, que conta com a participação especial do gaitista do Nuno Mindellis, Thiago Cerveira, que a gravou justamente no dia quem estive no estúdio BeBop. Ela também traz um trecho com a narrativa do saudoso jornalista policial e radialista Luiz Carlos Alborghetti, já que letra de Silvio Vartan fala do problema entre policiais que vivem em favelas, em meio ao controle dos traficantes.
No BeBop, Cerveira simplesmente chegou, ligou o amplificador, abriu sua malinha, fez os testes, escutou “Kill You First” e saiu tocando a gaita. Beto Machado nem tinha dito a ele que estava valendo. Vartan olhou para mim e só teve tempo de disparar: “Puta que o pariu, o que é isso?!”. Nando Machado emendou: “Parece Yngwie Malmsteen, só que na gaita!”, em alusão à velocidade dos solos do guitarrista sueco com o que Cerveira tinha feito.
Não sei se você teve tanta conexão assim como tive, mas não deixe de conferir esta preciosidade que é p.r.a.Y..
Via: WikiMetal