Texto por: Matheus Baima de Andrade e Pedro Benite Lopes, da fanpage Ghost Brazil IG (@ghost.brazil)
Ser convidados a escrever uma crítica é, acima de tudo, uma honra. A oportunidade de analisar e explorar uma obra musical, de compartilhar impressões e sentimentos sobre ela, é algo grandioso, mas também um desafio. Afinal, como traduzir em palavras aquilo que, por definição, é sentido? Como expressar uma opinião quando o impacto de um álbum ainda está sendo digerido?
A arte não é absoluta. Sua apreciação depende de experiências individuais, do momento de vida de quem a consome, das circunstâncias ao redor. Não existe música ruim — existe música que ressoa de formas diferentes para cada pessoa. O que pode parecer mediano hoje pode soar genial amanhã. E talvez seja por isso que o Skeletá, novo álbum do Ghost, carregue consigo um peso especial: é, ao mesmo tempo, o disco mais distante da identidade tradicional da banda e, paradoxalmente, seu trabalho mais verdadeiro até agora.
A nova face do Ghost
Não há como negar: Skeletá é o álbum mais destoante da discografia do Ghost. Sonoramente e liricamente, ele se distancia do que Tobias Forge construiu até então, apesar de ainda ter um pezinho no passado da banda. A influência dos anos 80, ainda que já presente desde o Prequelle (2018), alcança aqui seu auge absoluto, mas o diferencial está na intenção por trás da composição.
Tobias afirmou que este é um álbum introspectivo, que reflete sentimentos humanos universais — esperança, amor, amizade, ódio, autoengano. Antes, a preocupação era manter a essência do Ghost, reforçar seu conceito teatral e místico, mas também político, abordando assuntos sociais, como feito no Impera (2022). Aqui, ao se desprender dessa necessidade, Forge entrega uma obra que, por não soar como um álbum do Ghost, acaba sendo o mais sincero da banda até hoje.
Faixa a faixa — Uma análise detalhada
O álbum inteiro bebe do rock dos anos 80, por vezes até demais. Skeletá é o primeiro álbum do Ghost sem faixas instrumentais, algo que não acontecia desde o Infestissumam (2013). Neste trabalho temos momentos de brilho inovativo e outros de pouco risco, firmando os pés em claras referências de bandas oitentistas. Vamos por partes:
“Peacefield” abre o disco com coros infantis, um elemento que remete ao Ghost de Infestissumam — uma conexão com um passado que muitos sentiram falta. O refrão, no entanto, causa tanto nostalgia quanto estranheza. Sua semelhança com “Separate Ways”, do Journey, é um aceno agradável aos que a conhecem, mas, ao mesmo tempo, tira a imersão e constantemente remete à outra canção, atrapalhando a experiência inicial. Inicialmente causou estranheza, mas após repetidas audições, o impacto foi mais positivo. Apesar disso, é inegável que a música traz grandiosidade para o início do álbum; uma música de arena, digna de abrir a turnê, assim como fazem a cada ciclo de álbuns. O trecho final levanta o moral e o ânimo dos fãs com “We are legion, join us!”.
“Lachryma” é uma das faixas mais pesadas do álbum – tanto nos riffs de guitarras quanto no tema – pelo fato de focar em assuntos como “ódio” e “autoengano”. É uma faixa com muito mais apelo emocional, provavelmente a mais sentimental do Skeletá, e até mesmo do próprio Tobias, que já disse em entrevista que deposita muita expectativa nessa música em específico. Ironicamente, porém, ela não se destaca tanto. A estrutura da música é previsível e minutos após ouvi-la seu impacto se dissolve. É uma música competente, mas sem identidade marcante. No entanto, suas guitarras merecem destaque; aqui temos um dos melhores solos do álbum inteiro, talvez atrás apenas dos solos de “Umbra”.
“Satanized”, a primeira faixa divulgada antes do lançamento, foi uma escolha certeira. O tema, a letra e a sonoridade remetem ao Ghost clássico: religião, latim, um refrão grandioso e cativante. É a composição que mais se alinha ao que os fãs esperam da banda, garantindo seu lugar como um dos pontos altos do disco. O tema da música é um belo aceno à era Opus Eponymous (2010) da banda, enquanto a musicalidade é um aceno à era Meliora (2015). Certamente a linha de baixo dessa música bebeu de “The Way You Make Me Feel”, do Michael Jackson.
“Guiding Lights” se apresenta como uma balada de impacto emocional. A frase “The road that leads to nowhere is long / And those who seek to go there are lost” é um choque de realidade, uma pancada direta que transcende a canção. A escolha da trilha sonora de Arcane, série da Netflix, perdeu uma grande oportunidade ao não incluir essa faixa, pois sua mensagem se encaixaria perfeitamente na série. É uma música que tem boas doses de AOR (adult-oriented rock), no entanto, fora seu refrão, a faixa não se sustenta com a mesma força.
“De Profundis Borealis” vem conquistando o público, mas não teve o mesmo impacto imediato. Sua letra é profunda e emocionante, mas musicalmente não se destaca tanto quanto outras do álbum e apenas com o tempo ela cresce (demais até) na percepção do ouvinte, podendo facilmente se tornar uma das favoritas. O final da música soa um pouco como se não tivesse sido finalizado, poderia ser um pouco mais longo. Talvez seja a música mais Meliora do álbum.
“Cenotaph” é uma música muito peculiar. Inicialmente, é uma das faixas menos memoráveis do álbum, mas ironicamente me peguei cantando “Wherever I go, You’re always there, Riding next to me” diversas vezes sem perceber. No entanto, entre a escrita e a revisão dessa crítica, ao ouvi-la novamente, soou muito melhor do que na primeira vez, e não me surpreenderia se com o tempo ela acabasse se tornando uma das minhas favoritas do álbum. É uma música que tem uma sonoridade que remete muito a ABBA e Queen, cuja melodia com certeza anima e dá aquela sensação de esperança que muitos precisam.
“Missilia Amori” é uma das melhores do álbum. Sim, é um rock genérico dos anos 80, mas é incrivelmente bem executado. Sua energia remete a bandas como Kiss e Def Leppard, carregando um forte sex appeal, especialmente se combinada a “Pour Some Sugar On Me”. Uma prova de que simplicidade bem feita pode ser tão impactante quanto algo elaborado.
“Marks of the Evil One” é, sem dúvida, a melhor faixa do álbum. Seu refrão gruda instantaneamente (There! There! The Marks Are Spreading Everywhere!), os versos são ótimos e a letra remete ao livro bíblico do Apocalipse. Uma música que soa como o Ghost clássico, mas atualizado. Uma surpresa que não só se destaca dentro do disco, mas pode facilmente concorrer com “Square Hammer” como uma das melhores músicas do Ghost.
“Umbra” tem sido uma das mais comentadas entre os fãs, e faz sentido; refrão forte, temática mesclada entre o sombrio, o carnal e o religioso, uso de cowbell, solo poderoso com guitarra e teclado à la Deep Purple/The Doors e guitarras que lembram muito o Mötley Crüe. Em “Umbra”, a banda brilhou no acerto conceitual. Com doses cavalares de AOR, é a música “diferentona” do álbum, que é anos 80 como todo o resto, mas talvez uma outra vertente dos anos 80, tipo, anos 80². Não sei se aconteceu apenas comigo, mas a introdução remete fortemente a filmes de ficção científica repletos de naves espaciais. Está destinada a se tornar presença fixa nos setlists da banda nos próximos anos.
“Excelsis”, a última faixa, parece tentar seguir o padrão já definido em finales de álbuns anteriores: um encerramento grandioso, colossal e arrebatador. Ela tenta, mas falha miseravelmente. Definitivamente não é o finale mais impactante. Apesar da grande profundidade emocional e sonora inerente a um finale típico do Ghost, comparada a outras músicas de encerramento, “Excelsisse” mostra-se previsível, facilmente esquecível. Uma boa música, segura, que no contexto do álbum se encaixa perfeitamente, mas, definitivamente não é o maior ou melhor finale da banda.
Um álbum a ser digerido com o tempo
Skeletá tem seus méritos, que são claros: coragem em experimentar, letras mais humanas, uma produção impecável. Tobias Forge com certeza criou um álbum humano, no sentido mais puro da palavra, e assim como a humanidade, entrega sentimentos dúbios, às vezes desconfortáveis, mas continua sempre tentando trilhar o caminho certo, e, embora falhe em alguns momentos, acerta em outros.
O álbum certamente dividiu de forma muito clara as opiniões entre os fãs: foi amado por muitos, e foi uma quebra bem negativa de expectativa para outros. Expressivo e emocional, é um aceno gigante à nostalgia dos anos 80, agradando a parcela do público old school da banda, porém é, sem dúvidas, o álbum mais fraco do Ghost até o momento. A sonoridade anos 80, embora bem aplicada, acaba soando “familiar”, como se já tivéssemos ouvido isso antes, tornando-se previsível. As letras, porém, trazem profundidade emocional e impactam bastante o sentimental do público, e nesse sentido, destacamos “Peacefield”, “Lachryma” e “Satanized”, que não são as melhores do álbum, mas cumprem bem seu papel. Musicalmente, porém, o disco não arrisca muito. É um álbum que causa bastante estranheza em uma primeira audição. Eles evoluiu após várias audições, mas não é a melhor indicação para apresentar alguém ao Ghost.
Ainda assim, como a própria introdução desta resenha sugere, opiniões e sentimentos evoluem com o tempo. Talvez este álbum envelheça de forma surpreendente, conquistando um espaço maior na discografia da banda. Tobias Forge com certeza deu um passo à frente no tema em relação ao disco anterior, entregando músicas de arena que possuem identidade própria dentro do repertório da banda e ao mesmo tempo humanidade (Alô, “Umbra”!), reforçando a identidade já estabelecida na banda, mas ao mesmo tempo levando-a adiante.
O tempo dirá se o álbum se tornará um clássico ou se permanecerá como algo que tentou se reinventar, mas acabou se diluindo na previsibilidade. No fim, o Skeletá nos lembra que a verdadeira arte vive entre a ansiedade da expectativa e a surpresa da descoberta, um lugar onde só o tempo pode revelar o verdadeiro valor do álbum.
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Via: Wiki Metal